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A flor sempre quer ser flor

A morte nunca é como pensamos. Pensamos que ela é contraria à vida.


Esses dias de retiro o que mais tenho feito é receber raios cósmicos, tanto do sol, quanto da lua e das estrelas – todo santo dia e noite. Foi a primeira vez que olhei com olhos generosos para a mudança da lua a cada noite, ja imaginando como ela estaria na noite seguinte sempre um pouco mais atrasada depois mais cedo. Tenho passado horas olhando a natureza, as nuvens, os insetos, as cigarras e siriemas, os cavalos, a temperatura, a luminosidade. Me deixei ser engolida pelos ciclos à minha volta, da lua, das constelações, o horário de cada bicho que aparece na porta da minha varanda.


Percebo os ciclos de vida-morte-vida quando uma aranha come a borboleta, quando um bicho morre no pasto, quando as folhas e flores caiem no chão... é que a vida gera vida através da morte. Toda matéria que somos formados, será adubo para uma nova vida, para uma nova semente explodir. A morte no fundo não existe, só são ciclos de renovação da mesma coisa, da Natureza como um ser de consciência.

Sofremos quando nos apegamos ao que nos trouxe um dia alegria, mas ela também vem em um ciclo. Como reconheceríamos a alegria e o amor sem o silêncio e a dor? O momento de escuridão é quando a semente afunda primeiro as raízes fundo no solo, para então emergir para luz, a terra escura e subterrânea das nossas experiências, são o solo que sustenta nossa capacidade de amar de novo. Mas assim como qualquer adubo, deve ser na medida certa... pois demais ou de menos pode afetar o cresimento das sementes. A melhor forma é confiar no processo da morte e entregar tudo quando ela chega... resistir é machucar-se ainda mais... tudo vai sendo entregue de volta à terra e ao espaço: nossas ideias, sonhos, desejos, identidade, planos, nossa pele que se acostumou com outra pele – deixa ir, nossos ossos que tremeram por outros ossos, deixe ir, nosso sangue que pulsou apaixonado, deixe ir, nossa espinha que ondulou em espasmos, deixe morrer também. Virar pó, virar terra, deixe ser agora adubo. O adubo é escuro, imóvel e incerto. Mas é o que o solo precisa e o coração hiberna.


Muitas flores no hemisfério norte só crescem com o choque do inverno. Lembro-me uma vez ter ganhado uma muda de peônia, uma flor exuberante, muito pintada na arte tibetana e que até então nunca havia tocado em nenhuma de verdade. E a senhora que me presenteou, aconselhou-me de meter a flor na geladeira por 2 meses todo ano. Eu achei cruel – eu ia fazer ela morrer! Mas essa seria a única forma de manter a peônia viva se onde eu moro, não ha neve.


E esse momento me vejo como a peônia, colocada em uma geladeira e um pouco contraria da natureza da minha própria geografia. A flor sempre quer ser flor, claro que vai resistir! É de pouco entendimento dela, ou pouca fé, ou simplesmente de muito amor ao que é... que ela deve morrer para continuar sendo flor... e ao mesmo tempo que morre, é a sua luta e é a sua revolta calada que irá manter a semente do desejo de despertar à vida, pulsando, para no momento certo explodir em vida colorida de novo.


Estou... vagarosamente, compreendendo que a natureza esta me dizendo a cada dia... nossa alma é como de uma peônia.


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